17 de agosto de 2008

Marco

Este é um tempo que requer capacidade de adaptação à mudança. É nossa obrigação, pois, influenciarmos o sentido dessa mudança. Simbolicamente quero marcar este tempo com um novo espaço. Após uma breve passagem pelo Sapo (escrita extensa, rebuscada), cerca de 9 meses (o embrião ganhou vida), a blogosfera foi um espaço de questionamento introspectivo. Já no Blogspot, a discussão e a informação tomou conta do espaço. Foi um olhar para o olhar do outro que se materializou na criação de dois blogues comunitários - o Aragem e o Educação Física e Desporto - Diferentes Olhares? - e no acompanhamento de dezenas de blogues dedicados à coisa educativa.

Após 4 anos de escrita quase diária mudo de linha, sigo agora outro trilho. Não será o fim de linha, portanto, será apenas um ligeiro desvio de rota para o mesmo destino, porque há que manter no horizonte o mesmo destino: o auto-aperfeiçoamento.

Revelado o motivo profundo, urge aclarar o objecto de sempre: o contexto educativo, a escola situada, a política educativa, o sujeito que se vai revelando em cada (in)acção; e os instrumentos de sempre: a informação, a reflexão e a crítica. O estilo? Quiçá mais provocador e incisivo...

Siga por este trilho: http://olhardomiguel.wordpress.com

14 de agosto de 2008

Intermitência

Incapaz de me libertar desta deliciosa rotina, depois de lançar um breve olhar para os blogues dos confrades, sem deixar rasto, pé ante pé... ou melhor, clique ante clique, deixo apenas que um neurónio se dedique às coisas da educação durante uma visita supersónica aos blogues do Ramiro e do Paulo, sem nada escrever, sem nada acrescentar.
Será que busco os cheiros do antigamente como o fez Rubem Alves?
Ou será que busco, somente, os cheiros da minha circunstância?

Até breve!

28 de julho de 2008

Pausa mais que merecida ;o)

Fica marcado o reencontro para a 3ª semana de Agosto. :o))

27 de julho de 2008

Cuidado! Esta gente sabe como enformar o voto!

Um amigo meu comprou um frigorífico novo e para se livrar do velho, colocou-o em frente do prédio, no passeio, com o aviso:
"Grátis e a funcionar. Se quiser, pode levar".
O frigorífico ficou três dias no passeio sem receber um olhar dos passantes.
Ele chegou à conclusão que as pessoas não acreditavam na oferta. Parecia bom de mais para ser verdade e mudou o aviso:
"Frigorífico à venda por 50,00 €.
No dia seguinte, tinha sido roubado!
Cuidado! Este tipo de gente vota!
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Ao visitar uma casa para alugar, o meu irmão perguntou à agente imobiliária para que lado era o Norte, porque não queria que o Sol o acordasse todas as manhãs. A agente perguntou: "O sol nasce no Norte?"
Quando o meu irmão lhe explicou que o sol nasce a Nascente (aliás, daí o nome e que há muito tempo que isso acontece!) ela disse: "Eu não estou actualizada a respeito destes assuntos".
Ela também vota!
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Trabalhei uns anos num centro de atendimento a clientes em Ponta Delgada - Açores. Um dia, recebi um telefonema de um sujeito que perguntou em que horário o centro de atendimento estava aberto.
Eu respondi: "O número que o senhor discou está disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana." Ele então perguntou: "Pelo horário de Lisboa ou pelo horário de Ponta Delgada?" Para acabar logo com o assunto, respondi:
"Horário do Brasil."
Ele vota!
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Um colega e eu estávamos a almoçar no self-service da empresa, quando ouvimos uma das assistentes administrativas falar a respeito das queimaduras de sol que ela tinha, por ter ido de carro para o litoral. Estava num descapotável, por isso, "não pensou que ficasse queimada, pois o carro estava em movimento."
Ela também vota!
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A minha cunhada tem uma ferramenta salva-vidas no carro, para cortar o cinto de segurança, se ela ficar presa nele. Ela guarda a ferramenta no porta-bagagens!
A minha cunhada também vota!
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Uns amigos e eu fomos comprar cerveja para uma festa e notámos que as grades tinham desconto de 10%. Como era uma festa grande, comprámos 2 grades. O caixa multiplicou 10% por 2 e fez-nos um desconto de 20%.
Ele também vota!
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Saí com um amigo e vimos uma mulher com uma argola no nariz, ligada a um brinco, por meio de uma corrente. O meu amigo disse:
"Será que a corrente não dá um puxão cada vez que ela vira a cabeça?"
Expliquei-lhe que o nariz e a orelha de uma pessoa permanecem à mesma distância, independentemente da pessoa virar a cabeça ou não.
O meu amigo também vota!
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Ao chegar de avião, as minhas malas nunca mais apareciam na área de recolha da bagagem. Fui então ao sector da bagagem extraviada e disse à mulher que as minhas malas não tinham aparecido. Ela sorriu e disse-me para não me preocupar, porque ela era uma profissional treinada e eu estava em boas mãos."Agora diga-me, perguntou ela... o seu avião já chegou?"
Ela também vota!
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À espera de ser atendido numa pizzaria observei um homem a pedir uma pizza para levar. Ele estava sozinho e o empregado perguntou se ele preferia que a pizza fosse cortada em 4 pedaços ou em 6. Ele pensou algum tempo, antes de responder: "Corte em 4 pedaços; acho que não estou com fome suficiente para comer 6 pedaços."
Isso mesmo, ele também vota!
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O amigo que me enviou o email dizia que "agora é mais fácil entender porque a maioria chega lá."Devolvi-lhe o comentário dizendo:
Agora é mais fácil perceber por que motivo a Educação é um espaço de luta política. Ao condicionar o acesso à cultura, mais, ao condicionar o tipo de cultura de massas, os políticos sabem muito bem como perpetuar a velha ordem no poder!

26 de julho de 2008

Reforma ;o)

Quando apresentei a minha documentação para a merecida reforma na Segurança Social, a senhora que me atendeu, pediu-me o bilhete de identidade para confirmar a minha idade. Procurei e percebi que me esquecera do documento em casa.
- "Vou buscá-la e já cá volto".
A mulher disse-me:
- "Desabotoe a camisa."
Abro a camisa, revelo o meu tórax cheio de cabelos grisalhos e ela comenta:
- "Esses cabelos brancos são prova bastante para mim" - e processa o protocolo da reforma, recebendo a documentação.
Quando chego a casa e conto à minha mulher sobre a experiência na Segurança Social, ela disse-me:
- "Devias ter baixado as calças. Ias conseguir uma reforma por invalidez!"

(obrigado pela laracha, Nelson)

25 de julho de 2008

Leitura de férias

Não sendo capaz de se mudar a si próprio, o País parece que foi capaz de um extraordinário feito: mudou o Mundo!

Esta capacidade empreendedora exógena é uma visão de Martin Page que só é passível de ser corroborada em tempo de férias.

O livro já está na bagagem!

Porta entreaberta...

Estou oficialmente de férias apesar de ter meia dúzia de assuntos pendentes, de somenos importância, que podem ser resolvidos por telefone.
Como sempre, acabo com um turbilhão de ideias e de projectos para implementar no próximo ano, na próxima década. A escola será demasiado pequena para tamanha ambição...

23 de julho de 2008

Quotas para os acólitos predilectos...

Concordo com este olhar do fjsantos lançado sobre o despacho das quotas.

Adenda: A tutela presume que as escolas são todas más, até que uma avaliação externa prove o contrário, merecendo uma atribuição minimalista de menções qualitativas de “Excelente” e “Muito Bom”, respectivamente, 5% e 20%.
(Culpadas) Más, até prova em contrário!?
Ficou surpreendid@ com esta revelação?

Diarreia normativa

22 de julho de 2008

Quotas - A aberração está normalizada!

Li agora mesmo no Terrear o despacho das quotas. Os comentários que por lá se fizeram sobre esta aberração legislativa instigavam uma alternativa ao modelo “pseudo meritocrático” materializado no diploma.

A alternativa parece-me evidente: há que fazer prevalecer as lógicas da avaliação formativa, que dispensam a ordenação dos desempenhos individuais. O problema não está na dificuldade em justificar a emergência de um modelo alternativo porque, como sabemos, a retórica política insiste em defender o primado do pedagógico sobre o administrativo. O problema está em assumir a recusa de um modelo normativo/sumativo de avaliação do desempenho. Isto é, o problema não é saber “qual o modelo(?)” mas sim “como deixar cair este modelo(?)”.

19 de julho de 2008

Recobro

Para que o texto anterior faça algum sentido, direi que o conteúdo funcional do professor tem alguns apêndices embrutecedores. Depois de convocados para desempenhar essas malfadadas funções, aos professores impõe-se um período de recobro. No meu caso pessoal, um ou dois dias é período de tempo necessário para lavar a alma. Como? Regando-a com um maduro do Alentejo (ou Douro) [beemm... não é totalmente verdade], com os pés debaixo de uma mesa [esta é parcialmente verdade ;)], obrigatoriamente bem acompanhado [é verdade]. É evidente que a estupidificação vai deixando as suas marcas. Mas aprendi um pequeno truque na blogosfera para disfarçar a minha fúria primária: nunca escrever nos picos da insensatez. Reconheço que nem sempre é possível. Nem sempre tenho o discernimento de o evitar. Não se trata de evidenciar algum tipo de auréola até porque não sou aspirante a político de carreira. Trata-se apenas de uma gestão assertiva do fel.

17 de julho de 2008

Estupidificação...

... do trabalho docente.

Por pudor e atendendo ao facto de o título sugerir um sentimento de autocomiseração, ficarei por aqui...

14 de julho de 2008

Ambivalência

O CCAP (conselho científico para a avaliação de professores) acaba de produzir três documentos: Recomendações N.º 2 – Princípios Orientadores sobre a Organização do Processo de Avaliação do Desempenho Docente); Recomendações N.º 3 – Princípios Orientadores para a Definição dos Padrões Relativos às Menções Qualitativas; Recomendações N.º 4 - Princípios Orientadores sobre o procedimento simplificado a adoptar na avaliação de docentes contratados.

Irei ler criticamente os documentos tendo presente que o CCAP é um órgão consultivo do Ministério da Educação, que tem por missão implantar e assegurar o acompanhamento e a monitorização do regime de avaliação de desempenho do pessoal docente.
Convém relembrar que “O CCAP é um órgão que foi criado para acompanhar o desenvolvimento do processo de avaliação do desempenho do pessoal docente e a aplicação do respectivo regime jurídico, identificando as boas práticas e contribuindo para encontrar soluções adequadas à melhoria da qualidade do sistema”. Além de acompanhar o processo de aplicação do processo de avaliação, o CCAP deve “produzir informação relevante para a inventariação das necessidades de formação do pessoal docente e a identificação dos factores que influenciam o desenvolvimento profissional docente; e deve “promover a divulgação do conhecimento científico sobre avaliação do desempenho do pessoal docente, designadamente sobre o desenvolvimento geral dos modelos e técnicas existentes nesta matéria, a nível nacional e internacional.

Ora, com este enquadramento legal, o CCAP não pode assumir um posicionamento neutral porque está funcionalmente comprometido com o modelo imposto pelo ME. Irá zelar para que tudo corra bem. Todavia, é requerido que o CCAP aponte outros caminhos, que faça emergir outros modelos, que, paradoxalmente, abra a cova para enterrar o nado-morto modelo de avaliação do desempenho docente.

É por este carácter ambivalente e por esta missão impossível, que o CCAP estará condenado a viver no fio da navalha... Até que a missão final seja cumprida!

13 de julho de 2008

Evidências

"[...] seria desejável transformar a Educação Física na disciplina nuclear de acesso ao ensino superior, fosse qual fosse o curso! Claro que as outras seriam seleccionadas em função do destino de cada um. Ao dar importância a esta disciplina, desde a infância até ao décimo segundo, e mesmo a nível superior, permitiria obter ganhos inimagináveis com investimentos mínimos.
Vejamos: a maioria das doenças, ditas da civilização, têm a ver com um sedentarismo crescente. Enfartes do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais, hipertensão arterial, dislipidémias, diabetes, obesidade, algumas formas de cancro, doenças músculo-esqueléticas, osteoporose, depressões, ansiedade e agressividade, só para citar algumas, estão relacionados com a falta de utilização do corpo. Passamos a maior parte do tempo, sentados ou deitados. A falta de mobilização corporal é uma verdadeira praga. Ao criarmos uma consciência para a prática desportiva, desde tenra idade, e valorizando-a, tal como disse, como a prova número um de acesso ao ensino superior, obteríamos uma sociedade com características muito diferente da actual.
Como combater com mais eficiência a toxicodependência? Praticando desporto. Como combater o consumo de tabaco? Praticando desporto. Como combater o alcoolismo? Praticando desporto. Como combater a diabetes e a obesidade? Praticando desporto. Como tornar os jovens e adultos mais solidários e generosos? Praticando desporto. Como ensinar os jovens a serem mais respeitadores das normas e das leis? Praticando desporto. Como melhorar a aprendizagem escolar? Praticando desporto. Muitas outras perguntas de importância capital teriam a mesma resposta. E porquê? Porque os que praticam desporto têm uma vida mais longa e saudável, são mais generosos, mais simpáticos, menos agressivos, com menor tendência para o crime, têm menos depressão e ansiedade, suicidam-se menos, são mais felizes, mais ordeiros, mais produtivos, mais competitivos, com mais auto-estima e muito mais...
As consequências imediatas e a prazo traduziriam-se, além das já enunciadas, numa economia difícil de quantificar, com menos recursos às consultas, menos hospitalizações, redução do consumo de medicamentos e uma maior produtividade a todos os níveis, enfim mais riqueza.[...]"
[in: Quarta República]

Coragem ou esperteza saloia?

“6. A Área de Estudo Acompanhado deve ser assegurada pelo professor titular de turma, no caso do 1.º ciclo e, preferencialmente, pelos grupos de recrutamento de Língua Portuguesa e de Matemática, nos 2.º e 3.º ciclos.”

Quando se olha para este diploma pelo lado da prescrição, que é o lado da restrição da autonomia às escolas, é possível observar a falta de coragem do governo, e deste ME em particular, em assumir que as áreas acessórias do currículo (ACND) devem estar ao serviço de interesses políticos mais imediatistas, nomeadamente: a elevação instantânea dos resultados a duas das áreas disciplinares, que têm servido de barómetro à acção política na área da educação – o português e a matemática.

Sabendo que o governo usa e abusa da bandeira da determinação como sendo uma das suas imagens de marca, contra tudo e contra todos, a bem dos interesses da nação, por que razão não conduz até às últimas consequências o pseudo-arrojo e eleva a carga horária semanal destas disciplinas as vezes que forem necessárias para que o treino intensivo provoque os efeitos tão desejados?

Seria mais vantajoso para o sistema de ensino que o governo assumisse frontalmente esse seu desejo e actuasse em conformidade. Por um lado, discordando ou não da orientação superior, os professores e as escolas teriam de enfrentar um objectivo claro e não se dispersariam em actividades que, sendo importantes do ponto de vista pedagógico, buscam outras mudanças. Por outro lado, é necessário que a acção política seja consequente e verdadeira; concordando ou discordando, os professores e as escolas necessitam de recuperar a confiança nos processos que visam a mudança.

Como o horário semanal não é elástico, perguntar-me-ão, onde cortar?

Nas ACND, obviamente! E se se entender que é insuficiente, o horário dos alunos ainda tem margem para ser alargado. É evidente que o mercado das explicações iria reagir veementemente. E já estou já a visualizar o tom frenético do cardeal dos encarregados de educação a protestar contra mais um atentado à saúde mental dos educandos – o problema é que os alunos não podem chegar cansados à escola paralela. E não estou a pensar, ainda, na medida mais radical – a reorganização curricular.

E como atacar as temáticas: "b) Educação ambiental; c) Educação para o consumo; d) Educação para a sustentabilidade; e) Conhecimento do mundo do trabalho e das profissões e educação para o empreendedorismo; f) Educação para os direitos humanos; g) Educação para a igualdade de oportunidades; h) Educação para a solidariedade; i) Educação rodoviária; j) Educação para os media; k) Dimensão europeia da educação" (ponto 10)?

Esta conversa remeter-nos-ia para a escola cultural... e não temos tempo.

12 de julho de 2008

Assobiar para o lado

Aos 11 anos, as crianças portuguesas estão entre as mais baixas e gordas da Europa.

Como o ME não perde tempo, já se fazem notar as medidas de combate ao flagelo: convocou os professores das disciplinas “centrais do currículo”- Português e Matemática - pela via das ACND (Área de Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica).

E esta hein?

11 de julho de 2008

Sem tento na língua

«Sou de um partido onde era impossível um líder dizer que o principal objectivo da família é a procriação» José Sócrates, secretário-geral do PS

Por aqui se vê o estado de alienação em que se encontra o secretário-geral do PS. Ele ainda não percebeu que pode dizer as maiores barbaridades políticas, pode inflectir para o lado que bem lhe apetecer, pode dizer e desdizer-se, pode ter ou não “tento na língua”, que será recebido em aclamação pelos seus apaniguados enquanto estes farejarem o poder.

Se o secretário-geral do PS não é capaz de reconhecer o seu partido, como poderá compreender o país?

800 cooontos? ou 40 por cento?...

Por momentos fui transportado para a história do Vasco Santana (para os mais novatos o homem foi um fantástico actor do velho cinema português) naquela cena em que o alfaiate (António Silva) fazia as contas à fortuna das tias durante uma prova, nas costas de um cliente. A ideia da fortuna fácil pairava na mente do alfaiate como a ideia de sucesso sem esforço paira no imaginário de muitos políticos.

“... e a prova? A prova (dos nove) faz-se já aqui ao lado!”

E a prova às notas dos alunos no exame de Matemática?

10 de julho de 2008

O Oportunismo

"O oportunismo é, porventura, a mais poderosa de todas as tentações; quem reflectiu sobre um problema e lhe encontrou solução é levado a querer realizá-la, mesmo que para isso se tenha de afastar um pouco de mais rígidas regras de moral; e a gravidade do perigo é tanto maior quanto é certo que se não é movido por um lado inferior do espírito, mas quase sempre pelo amor das grandes ideias, pela generosidade, pelo desejo de um grupo humano mais culto e mais feliz. Por outra parte, é muito difícil lutar contra uma tendência que anda inerente ao homem, à sua pequenez, à sua fragilidade ante o universo e que rompe através dos raciocínios mais fortes e das almas mais bem apetrechadas: não damos ao futuro toda a extensão que ele realmente comporta, supomos que o progresso se detém amanhã e que é neste mesmo momento, embora transigindo, embora feridos de incoerência, que temos de lançar o grão à terra e de puxar o caule verde para que a planta se erga mais depressa.

Seria bom, no entanto, que pensássemos no reduzido valor que têm leis e reformas quando não respondem a uma necessidade íntima, quando não exprimem o que já andava, embora sob a forma de vago desejo, no espírito do povo; a criação do estado de alma aparece-nos assim como bem mais importante do que o articular dos decretos; e essa disposição não a consegue o oportunismo por mais elevadas e limpas que sejam as suas intenções: vincam-na e profundam-na os exemplos de resistência moral, a perfeita recusa de se render ao momento. Depois, tempo virá na Humanidade - para isso trabalham os melhores - em que só hão-de brilhar os puros valores morais, em que todos se voltarão para os que não quiseram vencer, para os que sempre estacaram ante o meio que lhes pareceu menos lícito; eis a hora dos grandes; para ela desejaríamos que se guardassem, isentos de qualquer mancha de tempo, os que mais admiramos pela sua inteligência, pela sua compreensão do que é ser homem, os que mais destinados estavam a não se apresentarem diminuídos aos olhos do futuro.
Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'